sábado, 28 de dezembro de 2013

Cabeça Antenada
Por Lucia Maria Paleari





Cabeça de um macho Eurytomidae

Esse inseto, com cerca de 1,1mm de comprimento,
 faz parte da entomofauna associada às sementes de Croton glandulosus.

(Imagem obtida em microscópio eletrônico de varredura)



Lucia Maria Paleari
lpaleari@ibb.unesp.br

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Semente: Magia, renovação e perpetuação de espécies
Por Lucia Maria Paleari


Infinitamente pequenas e abundantes ou repletas de reservas generosas, que envolvem e garantem nutrição ao embrião, as sementes carregam consigo uma nova planta, uma vida latente. Por meio delas, que são resultado de processo sexuado de reprodução, espécies vegetais podem povoar e repovoar áreas, e evoluir no planeta.

Tudo começa quando os pequenos grãos de pólen são liberados pelas anteras (compartimentos no ápice dos estames) e levados até o estigma das flores.


Inflorescência de Croton glandulosus, com pequena abelha visitando uma das flores masculinas e carregando muitos grãos de pólen na região ventral do abdome.


Diferente das flores hermafroditas, também conhecidas como bisexuadas por possuírem a parte masculina e feminina em um único receptáculo, Croton glandulosus tem flores unisexuadas, portanto, as pequenas flores masculinas estão separadas das femininas. Nessa espécie, as flores masculinas localizam-se no ápice de um eixo, onde, também pequenas, as flores femininas ocupam a região basal. Portanto, Croton glandulosus é uma espécie monoica (mono = um; oikos = habitar), porque cada planta tem tanto flores masculinas como femininas.

As flores masculinas reunidas no ápice das inflorescências (conjunto de flores em um eixo) funcionam como um chamariz para diversas espécies de insetos, devido ao néctar que elas produzem em cinco glândulas localizadas na base dessas flores, além do pólen, que também serve de alimento para diversas espécies, principalmente de pequenos besouros e trips (lacerdinha). Ao coletar o alimento, os insetos podem esbarrar nas anteras e ter muitos grãos de pólen presos ao corpo, como aconteceu com a abelhinha da foto anterior. Depois, ao visitar uma flor feminina e tocar o estigma com as partes do corpo contendo pólen, o inseto promoverá a polinização. Mas, só depois de um grão de pólen germinar e conseguir transportar o gameta masculino até o gameta feminino (oosfera), promovendo a fertilização, é que a semente poderá ser formada.

Quando uma planta recebe pólen de outra, a semente será formada por uma combinação de características dos dois indivíduos, o que aumenta a diversidade da espécie e, com isso, as possibilidades de superar adversidades.

Em Croton glandulosus as sementes surgem, quase sempre, em número de três por fruto, onde ficam individualizadas em três compartimentos (ocas), até que um processo de ressecamento da camada externa do fruto faça com que ele se abra e impulsione as sementes, lançando-as a certa distância da planta mãe.

Sementes: À esquerda três unidades dentro das ocas em um fruto aberto que não as lançou para longe; à direita e acima, estrutura externa; à direita e abaixo, estrutura interna.

Este processo, denominado de dispersão balística, não é capaz de atirar as sementes para muito longe da planta mãe, mas, ao caírem no solo, elas poderão percorrer distâncias maiores com a colaboração de certas formigas, que, atraídas pelo material nutritivo existente na carúncula, carregam-nas para os formigueiros, onde poderão germinar.


Formigas dispersoras de sementes de Croton glandulosus

As sementes de C. glandulosus germinam em abundância após as chuvas de setembro, e em outubro já se encontram plantas bastante floridas. Apesar da grande quantidade de sementes que cada uma delas produz, pouco mais de 20% escapam ao ataque de larvas de insetos, que se alimentam do endosperma.

O predador mais comum é Apion sp., besourinho de aproximadamente 2,5mm, cuja fêmea perfura o fruto jovem com as mandíbulas, por onde introduz o ovipositor para deixar o seu ovo. Além do Apion sp., há espécies de vespinhas da família Eurytomidae, que possuem por volta de 2,0mm, cujas larvas, além de parasitar e matar as larvas de Apion sp., consomem também o endosperma das sementes, o que pode ser visto na imagem a seguir.


Predadores de sementes pré-dispersão:
(A) Larva Apion sp. e orifício que ela fez para a emergência do adulto, quando o fruto explodir; (B) pupa Apion sp.; (C) larva Eurytomidae com parte do endosperma consumido e (D) macho adulto Eurytomidae, ao lado do fruto de onde ele emergiu.

Além de toda essa predação pré-dispersão, que determina a morte das sementes, porque as larvas se alimentam não apenas do endosperma rico em óleo, mas também do embrião, estrutura que ao se desenvolver originará a nova planta, existem ainda outros insetos. Consumindo sementes antes de se dispersar e inflorescências, encontramos duas espécies de gafanhotos, uma que é voraz consumidora de sementes e inflorescências, além de folhas e ramos; larvas de uma borboleta, que se alimentam das sementes depois de perfurar os frutos, e formigas saúva, que cortam e levam inflorescências, bem como folhas, para abastecer o fungo de seus ninhos.

Todas essas espécies limitam o crescimento das populações de Croton glandulosus, sem, no entanto, impedi-las de se renovar no ambiente. As sementes que escapam à predação são capazes de aguardar o tempo das chuvas para germinar e, assim, garantem a continuidade da espécie no planeta.

No entanto, é preciso lembrar que certas perdas independem de relações alimentares, como essas que foram apresentadas até aqui. Veja, por exemplo, o que foi retratado no início da pesquisa, essa que nos proporcionou tantos conhecimentos interessantes sobre a dinâmica da vida a partir de uma área ruderal. Note a beleza das cores das formas, a abundância de espécies e de intrincadas interações, que surgem em decorrência da germinação das sementes, que acontece com as chuvas de setembro, na região sudeste.

Com o passar do tempo, fomos obsevando, com muita tristeza, drásticas mudanças nessa paisagem, determinadas pelo ser humano. Inicialmente a capina com enxada colocava por terra as plantas e afugentava os insetos. Depois, lançando mão de um meio mais fácil para “limpar” o terreno, passaram a aplicar herbicida. Em três anos de aplicação de herbicida, o belo terreno ficou pobre, coberto apenas por grama. Nem mesmo as sementes de Croton glandulosus e das demais plantas ruderais, que costumam resistir à capina e intempéries durante o período seco e frio de inverno, resistiram ao efeito mortal do veneno químico.  

Lucia Maria Paleari
lpaleari@ibb.unesp.br

sábado, 24 de agosto de 2013

Nectários, Néctar e Teias Alimentares
Croton glandulosus
Por Lucia Maria Paleari




Inúmeras são as estruturas secretoras de Croton glandulosus localizadas em diversas partes do vegetal. Nos nossos trabalhos de campo, verificamos quem são os visitantes que se alimentam nessas estruturas secretoras. No laboratório, estudamos como se organizam as células e os tipos de substâncias que cada tipo de estrutura produz. Algumas delas, denominadas de nectários, produzem principalmente açucares dissolvidos em água, o néctar, que é liberado para o exterior.

Muitas plantas produzem néctar e com ele atraem diversos animais, principalmente pássaros e insetos, que obtêm energia do açúcar ingerido. Em Croton glandulosus, o néctar serve de alimento a algumas pequenas aranhas e rica entomofauna, composta de diversas espécies e famílias de insetos. Os 5 nectários localizados da base das flores masculinas e os dois localizados no ápice dos pecíolos (ver imagem a seguir) são os mais procurados por essas espécies.


Flor masculina de Croton glandulosus com 3 nectários evidentes entre os estames (à esquerda) e 2 nectários no ápice do pecíolo, com gotas de néctar (à direita). 
Foto: L.M.Paleari

Uma análise química conduzida pelo Dr. Gerhard Gottsberger, que conosco colaborou, revelou que o néctar do C. glandulosus possui 3 tipos de açucares: a frutose, a sacarose e a glicose.




Mas, qual a função do néctar produzido pelas plantas?

Acredita-se que o néctar disponibilizado pela planta tenha a função de atrair polinizadores, que favorecem a formação de frutos e sementes, bem como atrair formigas e outros insetos, inimigos naturais de herbívoros, que a protegerão de ataques. Evitar a destruição de folhas, que são as responsáveis pela realização da fotossíntese, assegurará a produção do alimento que a planta necessita; evitar predadores de sementes, aumentará as chances da planta se perpetuar. Muitas observações levaram a essas ideias. Um exemplo é o da formiga que ataca o besourinho, Apion sp., que consome folhas de Croton glandulosus. Na foto a seguir, pode-se ver a formiga segurando uma das pernas do apionídeo com as mandíbulas. Depois de longo embate, que eu acompanhei no campo, a formiga lançou-o para fora da planta. 


Formiga sobre Croton glandulosus, com a cabeça voltada para baixo, segurando uma das pernas do  besourinho Apion sp. 
Foto:L.M.Paleari


Além de observações como essa, experimentos científicos com diversas espécies de plantas, permitiram testar e comprovar tal hipótese. Mesmo assim, já sabemos que a situação não é tão simples. A vida é criativa, como acreditava uma importante cientista Lynn Margulis e, por isso, as espécies são capazes de coevoluir, mudar umas em relação às outras e ao ambiente, construindo novos laços e novos nichos que as favorecerão. Dessa forma, a relação entre os seres vivos deixa de ser tão simples, como sugere a ideia de formigas protegendo plantas que lhes fornecem alimento ou abrigo. As relações são bem mais complexas.

Veja, por exemplo, a lagarta da família Lycaenidae, na imagem a seguir. Ela se farta comendo frutos e sementes de C. glandulosus (fruto oco na foto da direita). Se o seu ataque for intenso, é claro que a planta, cujo ciclo é anual, não terá sementes em grande quantidade para dispersar e garantir o surgimento de plantas-filhas na próxima estação. Portanto, seria interessante se as formigas, que buscam o néctar e patrulham a planta, livrassem o vegetal dessas lagartas. Mas, olhe e preste atenção na foto da esquerda.  



Parece que a formiga localizada no dorso da lagarta a está importunando?
Pois não está mesmo.
E sabe por quê?
Porque essa lagarta tem uma glândula na região dorsal, que, à semelhança da planta, produz uma substância açucarada que é utilizada pela formiga.

Portanto, se a formiga protege a planta que lhe oferece néctar, não seria de esperar que ela  fizesse o mesmo com a lagarta?  Mas, se ela fizer isso, como ficará a proteção à planta?

Outro exemplo dessa complexa rede da vida, em Croton glandulosus, é o dos pulgões sugadores da planta, que oferecem substância açucarada para formigas (honeydew, em inglês), quando elas os estimulam com as antenas. Caminhando por toda a planta em busca desse alimento, as formigas afugentam inimigos naturais dos pulgões, que acabam protegidos por elas. No entanto, essa proteção não é completa. Joaninhas podem pousar na planta e se alimentar de pulgões, ou podem depositar ovos, dos quais eclodirão lagartas que também apreciam pulgões.


Joaninha adulta consumindo um pulgão em ramo de Croton glandulosus

Agora veja o flagrante registrado na foto a seguir, revelador de mais uma situação importante.


Díptero da família Asilidae, consumindo o conteúdo da cabeça de uma formiga capturada em Croton glandulosus.

O que aconteceria se por alguma razão, muitas joaninhas pousassem e se estabelecessem na planta? Ou se nenhum ovo de Lycaenidae fosse deixado nela? E se houvesse muitos asilídeos predando grande quantidade de formigas?

A depender de condições particulares em que essas relações acontecem, favorecendo mais a algumas espécies do que a outras, toda teia de interações tenderá a ganhar uma forma especial, que poderá mudar em outra ocasião. Dizemos, nesses casos, que o padrão da teia mudou, tendeu a um outro formato.

Entender como acontecem e no que resultam essas inúmeras interações entre os seres vivos é um grande desafio, que motiva ecólogos do mundo todo.



O doce sabor da vida!

No ano de 2008, como professora de uma turma de alunos do curso de Licenciatura da Unesp de Botucatu, propus a eles que organizassem um evento, com trabalhos produzidos por eles, para divulgar uma parte dos conhecimentos sobre o Croton glandulosus e suas interações. Esse evento,
denominado de Experimentando Ciência “O doce sabor da vida” reuniu em torno de 2 mil pessoas.

Em meio aos aparatos produzidos, houve aqueles que serviram para demonstrar: a dispersão de sementes e pólen; olhos compostos e mecanismo de visão dos insetos; cabeças com estruturas bucais ampliadas dos diversos grupos de insetos que consomem o néctar do C. glandulosus; processo de produção de mel pela abelhinha sem ferrão, conhecida por Jataí etc.

Naquele ano, as pesquisas com o Croton glandulosus estavam apenas no início, mas a quantidade de espécies de insetos que registramos visitando os nectários já nos impressionava. Embora as pessoas em geral se refiram a essa planta de forma depreciativa como “mato, ela é uma planta anual, de estrutura delicada e pequeno porte, capaz de atrair e alimentar uma quantidade inacreditável de insetos e algumas aranhas. Hoje, 5 anos após o “O doce sabor da vida”, ela continua a nos surpreender com muitas novidades que tornam a teia alimentar, mantida pelos seus minúsculos nectários, mais ampla e intrincada.

A beleza das formas, das combinações de cores, dos comportamentos entre os seres vivos, revela-se ainda mais indescritível por meio das lentes da máquina fotográfica e microscópios. Parte desse mundo fascinante apresentarei nos próximos posts deste blog, por meio de fotografias.

Lucia Maria Paleari
lpaleari@ibb.unesp.br